Black Friday, Natal e o custo invisível dos ataques

Black Friday, Natal e o custo invisível dos ataques

Por Ana Carolina Mello e Petre Rascov*

Em um mercado cada vez mais orientado por dados, a pergunta não é mais se sua empresa será alvo de um ataque cibernético, mas quando. E esse “quando” costuma coincidir com os períodos de maior pressão comercial, como Black Friday, Natal e as liquidações do início do ano. São momentos em que o tráfego explode, as equipes trabalham sob metas agressivas e o risco se amplifica em velocidade exponencial. A prova disso é que, segundo o CISO Advisor, 899 domínios maliciosos ligados à Black Friday estavam ativos no Brasil apenas em novembro, um terreno fértil para golpes, phishing e engenharia social.

Apesar desse cenário, muitas empresas ainda operam com uma falsa sensação de proteção. Acreditam que por serem menores, menos digitais ou menos conhecidas, estariam fora do radar. A realidade, no entanto, é o oposto. Como vimos em diversos casos recentes, o crime cibernético funciona como um mercado global, especializado e altamente profissionalizado. Grupos hackers operam com estrutura, esteiras de atendimento, negociadores profissionais e modelos de negócio distintos para atingir tanto grandes corporações quanto pequenas e médias. Fazem isso em escala, com ataques em massa capazes de explorar o erro humano, ainda o elo mais vulnerável da cadeia.

O seguro cyber surge justamente como uma camada essencial nesse ecossistema. É um produto recente no Brasil, mas que se tornou indispensável porque combina prevenção, resposta e recuperação financeira. Durante as datas sazonais, quando qualquer minuto de instabilidade pode comprometer vendas e reputação, ele se torna ainda mais estratégico. Estamos falando de um mercado que movimentou R$ 237,5 milhões no ano passado, segundo relatório da corretora de resseguros Guy Carpenter, e cresce de forma acelerada, impulsionado por um dado incontornável: o risco cibernético figura entre os cinco maiores riscos globais, segundo estudo do World Economic Forum (WEF).

O Future Risks Report, estudo global produzido anualmente pela AXA, reforça essa percepção ao mostrar que Cibersegurança ocupa o terceiro lugar entre os maiores riscos emergentes do mundo. O levantamento, que analisa a opinião de especialistas, executivos e cidadãos em dezenas de países, evidencia que o tema ultrapassou o campo técnico e passou a influenciar comportamentos de pessoas, empresas e governos.

Na prática, o que leva uma empresa a buscar essa proteção? Na maioria das vezes, é o medo do ransomware, o sequestro digital que paralisa operações e exige pagamento para devolução de dados ou restauração dos sistemas. Para PMEs, que costumam ter menor maturidade tecnológica e equipes enxutas, um ataque desse tipo pode significar literalmente vida ou morte do negócio. E o criminoso sabe disso. Ele ajusta o valor do resgate de forma “calculada”, pedindo montantes compatíveis com a capacidade de pagamento da vítima.

Recentemente, uma companhia pagou R$ 1,5 milhão poucos dias antes da Black Friday deste ano não porque seus dados fossem críticos, mas porque temia a repercussão pública e o impacto direto nas vendas. Essa dinâmica revela uma verdade incômoda: muitas decisões são tomadas pelo emocional, não pelo racional. E é justamente aí que o seguro cyber se torna uma âncora de estabilidade, trazendo perícia técnica e uma metodologia estruturada para conter danos.

É importante lembrar que boa parte dos ataques mais bem-sucedidos não depende de tecnologia avançada, mas sim do fator humano. O phishing lidera isolado como principal porta de entrada, especialmente em períodos de grande tráfego. Em empresas de varejo, por exemplo, monitorar sites falsos, orientar consumidores e treinar colaboradores são medidas que reduzem substancialmente o risco.

Esse movimento também é reforçado pelo Relatório do custo das violações de dados de 2024, da IBM, que mostra como uma violação pode se estender muito além do momento do ataque. O estudo revela que incidentes envolvendo credenciais roubadas levam, em média, 292 dias para serem identificados e contidos, enquanto ataques de phishing exigem cerca de 261 dias e casos de engenharia social, aproximadamente 257 dias. O impacto vai além do tempo: 46% das violações envolvem dados pessoais identificáveis, e 43% atingem propriedade intelectual, afetando diretamente reputação, governança e valor de mercado.

A IBM também destaca que fatores como complexidade dos sistemas, escassez de profissionais e falhas de terceiros ampliam o custo médio de violação de dados, enquanto treinamento de colaboradores, o uso de IA e o aprendizado de máquina reduzem significativamente os danos, um lembrete de que maturidade operacional e cultura de segurança importam tanto quanto tecnologia.

Quando conectamos esses dados ao comportamento dos ataques em períodos de grande volume, como nas datas comemorativas, o alerta fica ainda mais evidente. É justamente nesses momentos, quando a atenção das equipes está voltada para metas, campanhas e picos de transação, que os ataques se tornam mais eficientes e o tempo de detecção tende a aumentar. O estudo da IBM deixa claro: quanto maior a demora para detectar e conter, maior o dano. E o dano, no universo digital, sempre transborda para reputação, confiança e continuidade de negócios.

Apesar dessa complexidade, a boa notícia é que a indústria evoluiu. Hoje há produtos para grandes riscos e produtos simplificados para pequenas e médias empresas, com taxas acessíveis, contratação ágil e requisitos mínimos que a maioria das empresas já atende, como autenticação multifatorial, backup, firewall e um responsável por tecnologia na equipe. Em paralelo, seguradoras estruturaram times especializados, parcerias globais e atendimento 24/7 para apoiar desde a prevenção até a resposta ao incidente.

O que falta, aí está o maior desafio e também a oportunidade para o mercado, é a conscientização. Não basta investir em tecnologia. É necessário investir em cultura, em governança, em processos e, sobretudo, em uma mentalidade de risco contínuo. O fenômeno da digitalização acelerada colocou empresas de todos os tamanhos no mesmo tabuleiro global. Uma PME no interior do país pode ser atacada pelo mesmo grupo que mira multinacionais. E esse é o ponto que ainda precisa ser entendido em profundidade.

O seguro cyber não substitui boas práticas nem impede ataques, mas potencializa a resiliência, protege a continuidade e limita os impactos. Em um ambiente em que 100% das empresas são alvos potenciais, a pergunta estratégica é: quanto custa não contratar?

A segurança cibernética é um tema de negócios, governança e futuro. Empresas preparadas não são as que nunca sofrem incidentes, são as que conseguem se levantar rapidamente, com transparência, método e inteligência. Esse é o novo diferencial competitivo de um mercado cada vez mais exposto, conectado e imprevisível.

Ana Carolina Mello é sócia-diretora da Avanza.

Petre Rascov é especialista em Subscrição Cyber na Axa Brasil.

FONTE: relationow.com