Mesmo após tragédia na boate Kiss, leis brasileiras de segurança contra incêndio ainda podem ser melhoradas

Mesmo após tragédia na boate Kiss, leis brasileiras de segurança contra incêndio ainda podem ser melhoradas

Dez anos após tragédia, Brasil não tem legislação centralizada o que dificulta fiscalização e execução das normas

Por Sylvio do Carmo, presidente da Abichama (Associação Brasileira da Indústria de Retardantes de Chama)

Ao longo do tempo, a população brasileira cresceu e se concentrou em zonas urbanas. Contudo, a infraestrutura e as construções necessárias para a vida na cidade têm mostrado sérias deficiências em relação à Segurança Contra Incêndio (SCI).

Se compararmos a realidade atual em incêndios residenciais, com o que vivíamos nas décadas passadas, constatamos que nos anos 70, o tempo de fuga de um incêndio era de 17 minutos e, atualmente, só temos 3 minutos para escapar de um incidente desta categoria. Esta diminuição é resultado da adoção de materiais sintéticos nas construções, móveis e eletrodomésticos, que apesar de facilitarem nossas vidas e trazerem mais conforto, são mais inflamáveis.

No Brasil, a SCI se originou a partir de grandes tragédias. A primeira regulamentação sobre o tema surgiu em meados de 1975, após a ocorrência dos incêndios dos edifícios Joelma e Andraus, em São Paulo. Já o grande marco na história da SCI no país acontece, apenas, com a promulgação da Lei nº 13.425, ou Lei Kiss, em 2017, quatro anos depois da tragédia em Santa Maria, que matou 242 pessoas e feriu mais de 600.

A Lei Kiss é federal e prevê diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio. Contudo, não modifica a eficácia das leis estaduais que tratam especificamente da SCI. Nesse sentido, ela reforçou as aplicabilidades das legislações estaduais e atribuiu responsabilidades ao poder municipal no contexto da segurança contra incêndio. Porém, além de cada Estado possuir uma legislação própria, alguns possuem mais recursos e condições para prevenir, fiscalizar e combater incêndios, o que reforça as discrepâncias da SCI pelo território nacional.

Na realidade, ainda há graves problemas para serem solucionados no Brasil. Além da flexibilização e prorrogação de prazos na aplicação das normas, há também a falta de dados estatísticos oficiais de ocorrências urbanas, o que dificulta a elaboração de políticas públicas efetivas de prevenção e combate a incêndios. Além disso, a legislação de SCI brasileira não dá a devida importância para a adoção de padrões de inflamabilidade de materiais.

O incêndio que destruiu o Museu Nacional, patrimônio histórico brasileiro, e quase todo o seu acervo, no ano seguinte ao da promulgação da Lei Kiss, foi o maior alerta possível de que ainda é necessário avançar muito com a pauta. Os vetos impostos à Lei, como ao artigo que obrigava que fossem observadas as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a elaboração do Plano de Prevenção e Proteção de Combate a Incêndio, afrouxaram uma legislação que deveria ser mais rigorosa. Além disso, as Leis de SCI no Brasil sofrem flexibilizações constantemente, o que demonstra que a prioridade do estado não tem sido a segurança da população.

Com o suporte da Abichama, a Frente Parlamentar de Segurança Contra Incêndio (FPMSCI) foi instalada no Congresso Nacional para desenvolver ações e políticas públicas de ampliação ao combate e à prevenção de incêndios. O trabalho desenvolvido pela Frente, da qual a Abichama faz parte do Conselho Consultivo, foi fundamental para que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) reconhecesse a segurança contra incêndio como área de conhecimento e para que a Secretaria Nacional de Segurança Pública apresentasse o Modelo Nacional de Regulamento de Segurança Contra Incêndio e Emergências para subsidiar os estados na atualização de suas leis sobre o tema.

Mesmo com os avanços, ainda é urgente e necessário que o Brasil aprofunde e acelere o debate sobre a segurança contra incêndio para evitar novas tragédias e destruições do nosso patrimônio cultural e histórico. A prevenção é o melhor investimento, pois, como dizia Harry Kloper, “a maior tragédia dos incêndios é saber que a maioria deles poderia ter sido evitada”.

Sobre a ABICHAMA

A ABICHAMA, Associação Brasileira da Indústria de Retardantes de Chama, foi criada no Brasil em 2011 com o objetivo de fomentar a conscientização acerca da importância da segurança contra incêndio no País. A instituição também é a representante local da BSEF — The International Bromine Council, instituição internacional em atividade há mais de 40 anos, presente na Europa, América do Norte, Ásia e América do Sul, promovendo a discussão sobre a segurança contra incêndio, além de subsidiar pesquisas e estudos científicos nas áreas de saúde e meio ambiente. A Associação reúne empresas fabricantes de retardantes de chama e trabalha em parceria com órgãos governamentais, empresariado e sociedade civil para a aplicação das normalizações já existentes e desenvolvimento de novas, com o objetivo de aumentar a prevenção de incêndios no Brasil.

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