De Belém à COP31: Casa do Seguro lança força-tarefa global de resiliência climática

De Belém à COP31: Casa do Seguro lança força-tarefa global de resiliência climática

Esta sexta-feira (21) marcou o último dia do ciclo de debates da Casa do Seguro, durante a COP30, em Belém (PA), com um recado claro: o setor securitário precisa assumir papel de liderança na aceleração da agenda climática global.

De Belém à COP31

Ao longo do dia, executivos, representantes de governo, academia e organizações internacionais convergiram a ideia de que não há transição justa e resiliente sem o protagonismo da segurança na gestão de riscos, no financiamento e na proteção de segurança social.

Na abertura, o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, apresentou uma proposta ambiciosa: a criação de uma força-tarefa internacional sobre resiliência climática e segurança na transição.

A iniciativa, segundo Oliveira, pretende unir seguradoras, cientistas, governos e sociedade civil rumo à COP31, na Turquia, para que o setor de seguros não participe apenas, mas lidere as discussões e ações climáticas no cenário global.

Presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, ao lado de Goret Pereira Paulo, diretora de Pesquisa e Inovação da FGV
Presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, ao lado de Goret Pereira Paulo, diretora de Pesquisa e Inovação da FGV

A estrutura da força-tarefa prevê pilares articulados entre garantias (com gestores de risco), academia e ciência (modelagem de risco), governos e bancos centrais (gestão de consequências públicas), sociedade civil e comunidades, além da economia real, criando um arranjo capaz de transformar o conhecimento em ação.

Segundo Oliveira, o momento é especialmente favorável para avançar. Há um alinhamento crescente entre os setores público e privado em torno do potencial de financiamento da agenda climática, o que abre espaço para acelerar compromissos e implementar soluções concretas.

Ele destacou que, na Casa do Seguro, foi possível estabelecer um conjunto amplo de parcerias e consolidar uma visão mais transversal do papel do seguro nas diversas atividades da economia e da vida em sociedade. O presidente da CNseg resumiu o clima ao afirmar que o setor sai de Belém com um “enorme dever de casa” e que espera ser cobrado pelos parceiros sobre os avanços daqui em diante.

A importância dessa atuação coordenada também foi reforçada por Butch Bacani, chefe de Seguros do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Ele destacou o papel do seguro como instrumento de resiliência para comunidades vulneráveis ​​diante das mudanças climáticas e alertou que finanças e seguros sustentáveis, sozinhos, não garantem uma economia resiliente.

Para Bacani, uma mudança real depende da ação conjunta entre governos, empresas e sociedade, especialmente diante de alertas científicos sobre riscos como a savanização da Amazônia. Na sua avaliação, pensar apenas em mudanças incrementais já não é suficiente; escala e velocidade serão determinantes para evitar o colapso climático, e essa visão precisa orientar uma agenda global.

Butch Bacani em fala no último painel
Butch Bacani em fala no último painel

No último painel de debates da Casa do Seguro, “De Belém à COP31: acelerando e ampliando a ambição e a ação em relação ao clima e à natureza”, especialistas, representantes do governo e da sociedade civil fortaleceram que mitigação, adaptação e resiliência às mudanças climáticas exigem não apenas urgência, mas também a participação estratégica do mercado segurador.

André Andrade, diretor do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, apresentou dados de um estudo do governo federal sobre o impacto econômico das mudanças climáticas no Brasil até 2050. No cenário de inação, a temperatura poderia subir 4°C, com perda acumulada de R$ 17 trilhões no PIB brasileiro em 25 anos; já no cenário de mitigação, com aquecimento limitado a 1,5°C, projeta-se um crescimento adicional de R$ 6,7 trilhões no período. Mesmo assim, ele lembrou que uma média global de 1,5°C pode significar aquecimento entre 2,5°C e 3°C no Nordeste, exigindo produtos de seguro cada vez mais regionalizados.

A necessidade de políticas climáticas em evidências foi destacada por Goret Pereira Paulo, diretora de Pesquisa e Inovação da FGV. Para ela, a COP30 mostrou que esse conceito deixou de ser abstrato e passou a se concretizar em práticas que só avançam quando a ciência, o governo e o setor privado trabalham de forma integrada.

Goret chamou a atenção para a participação intensa da academia em painéis, publicações e iniciativas tanto na Casa do Seguro quanto na AgriZone, com destaque para temas como agricultura tropical, financiamento verde, redução do desmatamento e transição energética. Segundo a diretora da FGV, a implementação das metas globais depende de ações locais, especialmente em áreas urbanas, onde dados precisos são essenciais para mitigação, adaptação e desenvolvimento de seguros paramétricos.

Luiz Pires, gerente de Sustentabilidade e Inovação da ANBIMA
Luiz Pires, gerente de Sustentabilidade e Inovação da ANBIMA

Na mesma linha de pragmatismo, Luiz Pires, gerente de Sustentabilidade e Inovação da ANBIMA, ressaltou que a COP30 marcou um avanço estrutural: organizações e empresas amadureceram suas propostas e superaram vários caminhos possíveis para financiar a transição.

Segundo ele, a conexão entre o mercado de capitais e seguros deixou de ser tímida e passou a se materializar em produtos, compromissos e instrumentos já disponíveis. Pires destacou que o governo brasileiro construiu uma base robusta – com o Plano de Transformação Ecológica, uma taxonomia sustentável com plataformas de investimento e novos mecanismos de financiamento – que permite transformar ideias em realidade. Para o executivo, não falta capital: o mercado brasileiro administra cerca de 2 trilhões de dólares. O desafio, agora, é estruturar melhor como esses recursos podem viabilizar produtos da indústria de seguros, financiar LRS (Letra de Risco de Seguro) e apoiar modelos de financiamento combinado, abrindo um ciclo consistente de evolução para o setor.

Guilherme Bastos, coordenador da FGV, e Ivo Kanashiro, superintendente de Sustentabilidade da MAPFRE
Guilherme Bastos, coordenador da FGV, e Ivo Kanashiro, superintendente de Sustentabilidade da MAPFRE

A discussão sobre financiamento conecta-se diretamente ao avanço da bioeconomia. O pesquisador da FGV Marcelo Behar defendeu a necessidade de aproximar, de forma estratégica, a agenda da COP da agenda da bioeconomia, atribuindo ao setor de seguros um papel central em três frentes.

A primeira é o financiamento da transição, em que a indústria de seguros ajuda a estruturar mecanismos públicos e privados e atua como “amortecedor dos limites planetários”, mantendo riscos dentro do possível. A segunda é a viabilização de soluções de uso da terra no Brasil, especialmente por meio da integração lavoura-pecuária-floresta e de tecnologias agroambientais capazes de reduzir emissões e regenerar áreas. Behar lembrou que, ao contrário do padrão global, as emissões brasileiras vêm majoritariamente do uso da terra, o que torna a segurança ainda mais central na transição.

O terceiro eixo apontado por Behar é a saída gradual dos combustíveis fósseis, apoiada por uma coalizão de 80 países, com redirecionamento de subsídios para agricultura sustentável, bioeconomia e soluções biológicas. Ele destacou que iniciativas como o “Bioeconomy Challenge” e o “Tropical Forest Facility” inauguraram um novo ciclo de finanças climáticas. Ainda para Behar, o Brasil colocou a floresta no centro da ação climática, e a indústria de seguros tende a ser “parceira central” na construção da nova economia verde.

O papel da agricultura na descarbonização também ganhou destaque na fala de Guilherme Bastos, coordenador da FGV. Ele avaliou que a COP30 evidenciou a modernidade da agricultura tropical brasileira, que há décadas desenvolve práticas de baixo carbono garantidas por pesquisa robusta, especialmente da Embrapa.

A criação da AgriZone na conferência foi apontada pelo coordenador da FGV como um marco para mostrar ao mundo que o país já opera com soluções baseadas na natureza e integra academia, setor privado e governo em uma agenda consistente de adaptação e produção sustentável. Bastos ressaltou ainda o Pagamento por Serviços Ambientais como peça estratégica para engajar produtores de todos os portes, sobretudo no combate ao desmatamento legal, garantindo retorno econômico à preservação.

Bastos lembrou que a agropecuária recebe apenas 6% do financiamento climático global, apesar de oferecer soluções-chave para a segurança alimentar, energética e para a transição dos fósseis. No Brasil, essa transição ocorre de forma complementar, aprimorada pelo modelo de economia circular do agro. Para o coordenador, é essencial avançar em estatísticas e dados para direcionar seguros, reduzir a lacuna de proteção e alavancar investimentos que consolidem o protagonismo brasileiro na agricultura sustentável.

Ao tratar da dimensão industrial da transição, Vitória Santos, gerente de Energia e Indústria do Instituto Clima e Sociedade, afirmou que a COP30 marcou a convergência entre clima, comércio e o papel das regiões com vantagens verdes. Entre as principais entregas, citou a Declaração de Belém, focada na industrialização nos territórios de origem dos recursos; o Fórum Integrado de Mudança do Clima e Comércio, criado para reduzir barreiras comerciais; e a Aliança do Sul Global para Empreendedorismo Climático, voltada para a tecnologia desenvolvida no Sul Global. Essas iniciativas reforçam o conceito de “power shoring”, que utiliza abundância de energia limpa e bioinsumos para transferência de descarbonização industrial.

Vitória Santos, gerente de Energia e Indústria do Instituto Clima e Sociedade
Vitória Santos, gerente de Energia e Indústria do Instituto Clima e Sociedade

Vitória demonstrou que os setores verdes exigem muito capital e enfrentam riscos elevados – tecnológicos, regulatórios e geográficos –, o que torna o setor de seguros crucial para reduzir o risco, baixar o custo de capital e viabilizar a transição em países em desenvolvimento. Na visão dela, quanto mais sofisticados forem os instrumentos de seguro e mitigação de risco, maior será a capacidade de atrair investimentos para projetos industriais verdes em mercados emergentes.

O papel da Casa do Seguro

Ivo Kanashiro, superintendente de Sustentabilidade da MAPFRE, destacou que a Casa do Seguro conseguiu materializar o princípio da “responsabilidade comum, porém compartilhada” ao reunir seguradoras, governo, empresas e comunidades para discutir, de forma madura, como o seguro pode apoiar a adaptação climática.

Para Kanashiro, o evento consolidou o setor de seguros como ator central na gestão de riscos ligados às mudanças climáticas, ao demonstrar que o engajamento coletivo é condição para resultados concretos. Kanashiro avaliou que o mercado segurador precisava desse momento: depois de anos trabalhando conceitos associados aos Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI), a Casa do Seguro apresentou projetos reais e iniciativas práticas, reforçando o caminho construído pela CNseg.

Na sua leitura, os avanços apresentados não são pontuais, mas fazem parte de uma jornada contínua de evolução, que deverá ganhar força até a COP31. O encontro ajudou a traduzir narrativas sobre clima, natureza e inclusão em agendas de trabalho com responsabilidades claras para garantias e formulações de soluções.

Na perspectiva internacional, Clare Shakya, diretora de Clima da TNC, afirmou que a COP30 representou um avanço importante após anos de baixa ambição, com o Brasil elevando o nível de divulgação e abrindo espaço para maior atuação de atores não estatais, incluindo o setor de seguros. Ela destacou que a agenda construída até Belém cria uma oportunidade clara para avançar em adaptação e na proteção de situações vulneráveis. Clare lembrou o papel decisivo da natureza na estabilização do clima e na redução de impactos, mas alertou que o risco de reversão ainda trava investimentos, o que reforça a necessidade de instrumentos de seguros capazes de dar segurança, quantificar riscos e destravar projetos de clima e natureza – inclusive com soluções como seguros de ativos naturais.

Segundo Clare, a escassez de recursos públicos exigirá mais financiamento privado, e o setor segurador é essencial para reduzir riscos e apoiar a infraestrutura verde. Ela concluiu que a COP30 foi marcada por diálogos mais inclusivos e que essa convergência deve continuar para atrair investimentos e elevar a ambição climática.

Encerrando o painel, a moderadora Cláudia Prates, diretora de Sustentabilidade da CNseg, sintetizou o espírito das discussões: o mercado segurador terá papel relevante no processo de transição climática, justamente no momento em que o setor financeiro começa a apoiar projetos privados antes restritos a recursos públicos ou não reembolsáveis.

Claudia Prates encerrou o painel do último dia de atividades da Casa do Seguro
Claudia Prates encerrou o painel do último dia de atividades da Casa do Seguro

“Trata-se de um novo mercado que precisa ganhar escala – e o seguro está bem posicionado para viabilizar essa expansão, ao mesmo tempo em que mitiga riscos e amplia a resiliência das mais diversas atividades econômicas”, finaliza Cláudia.

FONTE: CNSEG