Plano de saúde ainda é incompreendido, embora seja reconhecido

Plano de saúde ainda é incompreendido, embora seja reconhecido

Operadoras de planos de saúde juntas realizaram mais de 8 bilhões de procedimentos de 2019 a 2023; companhias e entidades do setor trabalham para divulgar o papel da proteção, mas é necessário um alinhamento maior
Carol Rodrigues

Em 2025, o número de beneficiários do sistema de saúde suplementar chegou a 52 milhões de brasileiros, o que significa um quarto da população do País, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

“Essa adesão reforça o papel que a sociedade atribui ao setor suplementar como parte relevante da rede de cuidados”, comenta Carla Soares, diretorapresidente da ANS.

A verdade é que o plano de saúde é, já há algum tempo, um desejo do brasileiro. Segundo pesquisa Datafolha encomendada pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o plano de saúde é o terceiro maior desejo do brasileiro, atrás apenas da casa própria e da educação.

Ainda assim, há um desafio relevante: o da reputação, conforme o presidente da Abramge, Gustavo Ribeiro. “Muitas pessoas veem o setor apenas pela ótica do atendimento individual, quando, na verdade, ele funciona com base em um modelo coletivo, regido pelo mutualismo e pela regulação intensa. Precisamos melhorar nossa forma de nos comunicarmos com o público”.

Carla Soares, diretora-presidente interina da ANS
Carla Soares, diretora-presidente interina da ANS

Além do desejo, a importância

É fato que as pessoas que têm a proteção se sentem mais seguras do que as que não têm. Para se ter uma ideia, o volume de procedimentos realizados entre 2019 e 2023 atinge 8.342.787.075.

Os números dos atendimentos endossam a dimensão da importância do setor. “A saúde suplementar viabiliza cerca de 2 bilhões de procedimentos médico-hospitalares por ano”, observa Raquel Reis, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).

“Os números, por si só, deixam evidente a complexidade que é o setor de saúde suplementar. A saúde suplementar no Brasil tem um papel social relevante, com potencial de crescer ainda mais. Ainda assim, estamos presos em um platô de atendimento de cerca de 25% da população brasileira, enquanto o SUS – Sistema Único de Saúde – luta para atender os demais 75%. É preciso criar condições para democratizar e ampliar o acesso ao sistema privado de saúde”, comenta Ribeiro.

Embora haja o reconhecimento de que a saúde suplementar permite o acesso a serviços de qualidade, há muita incompreensão sobre os princípios de funcionamento do setor. “Entre eles, o mutualismo, pelo qual as contribuições de todos os beneficiários são usadas para cobrir os custos dos serviços de saúde para aqueles que precisam, e o pacto intergeracional, pelo qual os mais jovens subsidiam os custos de saúde dos mais velhos”, contextualiza Raquel.

Raquel Reis, presidente da FenaSaúde
Raquel Reis, presidente da FenaSaúde

Para ela, essa incompreensão revela que ainda há muito a ser feito em termos de informação para os beneficiários e a sociedade. Tais princípios são fundamentais para a sustentabilidade do setor, que lida com recursos financeiros finitos diante de desafios como a alta persistente dos custos médicos, a constante incorporação de novas tecnologias, o envelhecimento da população e as fraudes.

O presidente da Abramge também acredita que há uma diferença entre o que os dados mostram e a reputação percebida pela sociedade.

“Vamos começar pelos dados divulgados pela própria ANS. Segundo a agência, em março deste ano, foram registradas 26.721 reclamações contra o setor. Isso representa 0,051% do volume de beneficiários e 0,001% do volume de atendimentos realizados por ano”.

A presidente da FenaSaúde lembra que os planos de saúde e os hospitais privados têm caráter complementar à saúde pública e, portanto, seu fortalecimento ajuda a desafogar o SUS. Por isso, aponta como prioridade a ampliação do acesso dos brasileiros à saúde suplementar.

“Isso depende de uma maior coordenação entre o Ministério da Saúde, a ANS e as operadoras. E também da flexibilização da oferta de produtos, permitindo que as operadoras ofereçam pacotes modulados de acordo com a necessidade dos beneficiários”, acrescenta Raquel.

Segundo o presidente da Abramge, alguns pontos fazem do sistema de saúde suplementar um setor essencial para o País. O primeiro deles é o papel assistencial. “É notório que o nosso modelo de saúde pública, o SUS, é um exemplo para o mundo. Mas o Brasil tem mais de 210 milhões de brasileiros distribuídos por mais de 8,5 milhões de km². Essa dimensão torna a gestão orçamentária e assistencial médico-hospitalar de todos um desafio imenso para qualquer governo”, explica.

Ribeiro ainda assinala que outro ponto que merece destaque é o papel para a economia. “Atualmente, a saúde suplementar representa 3% do PIB e gera mais de 5,1 milhões de empregos, consolidando-se como um alicerce imprescindível para a prosperidade e o crescimento sustentável da nação”.

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge
Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge | Foto: Marco Ankosqui

A diretora-presidente interina da ANS considera essencial o fortalecimento da articulação entre os sistemas público e privado. “A saúde suplementar, regulada pela Agência, e o SUS integram o Sistema Nacional de Saúde, e sua atuação coordenada é necessária para garantir respostas mais efetivas às necessidades da população”.

Nesse sentido, a ANS tem apontado como prioridade o aprimoramento da integração entre o SUS e a saúde suplementar, especialmente por meio da interoperabilidade de dados e informações de saúde.

“A Agência participa ativamente do desenvolvimento da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), plataforma nacional voltada à unificação e integração de informações assistenciais. Essa integração qualificada de dados é essencial para subsidiar decisões, evitar desperdícios, melhorar a gestão dos recursos e promover melhores resultados para os sistemas de saúde em sua totalidade”, diz Carla.

Olhar preventivo

Embora ocupe um lugar estratégico no ecossistema da saúde brasileira, o setor ainda é visto, por muitos, como um serviço reativo, acionado apenas diante da doença, conforme Alessandra Casaro, diretora de Produtos e Inteligência de Mercado da Allcare.

“Isso precisa mudar. A saúde suplementar vem ampliando sua atuação com foco na prevenção, atenção primária, coordenação do cuidado e educação em saúde. O desafio não é só estrutural, é também cultural: é preciso romper com a lógica do consumo episódico e avançar para uma abordagem mais sustentável e integral”, diz Alessandra.

Algo que pode contribuir para a visão do setor é fazer com que a sociedade perceba a saúde suplementar como um serviço além dos momentos de urgência.

“O hábito de ‘usar quando precisa’ é reflexo de décadas de um modelo centrado na doença. É preciso reconhecer o papel estrutural que o setor desempenha: alivia o SUS, amplia o acesso, investe em inovação e atua, cada vez mais, na promoção da saúde, na qualidade de vida e na gestão de condições crônicas”.

Alessandra Casaro, diretora de Produtos e Inteligência de Mercado da Allcare
Alessandra Casaro, diretora de Produtos e Inteligência de Mercado da Allcare

Para transformar essa imagem, Alessandra acredita que é preciso assumir um compromisso com a transparência, com a escuta ativa e com uma comunicação que reflita o impacto real da saúde suplementar na vida das pessoas.

Segundo ela, a transição de um modelo centrado na doença para um modelo centrado na pessoa está em curso e deve ser acelerada. “Esse é o verdadeiro valor que o setor pode e deve entregar à sociedade”.

A Allcare entende que o plano de saúde deve ser uma ferramenta de cuidado contínuo, e não apenas uma garantia de atendimento. “Por isso, temos uma estratégia focada em atenção primária, prevenção, acolhimento e orientação de qualidade. Nossos programas ajudam os beneficiários a navegar melhor pelo sistema, entender seus direitos, prevenir doenças e viver com mais qualidade. E mais do que isso, valorizamos a informação como parte essencial do cuidado”, destaca Alessandra.

Para ela, a visibilidade virá da capacidade do setor de gerar conexões verdadeiras. Não basta comunicar benefícios, é preciso criar sentido, mostrar impacto e entender as reais necessidades da população. Isso implica em ir além da lógica comercial e assumir uma postura de agente transformador.

“É necessário traduzir a complexidade da saúde suplementar em histórias, dados e ações concretas. Mostrar que o cuidado começa muito antes da consulta médica e se estende para o dia a dia das pessoas, com informação acessível, orientação, prevenção e acompanhamento. Quando a sociedade reconhece que o plano de saúde está ao seu lado não apenas nos momentos críticos, mas também na construção de uma vida com mais saúde e dignidade, a relação muda”, destaca a diretora da Allcare.

Para mostrar o valor do plano de saúde, a Bradesco Saúde mantém um fluxo de comunicação constante com os diversos públicos com os quais se relaciona, reforçando, de forma bem direcionada, a percepção de valor sobre o que é feito.

“Isso envolve principalmente ações voltadas aos beneficiários e às empresas contratantes, que representam os usuários dos nossos produtos e serviços, mas contempla, também, os corretores e a rede credenciada, para que estejam engajados e alinhados com a mensagem do papel fundamental da nossa atividade para proteger a sociedade”, comenta Flávio Bitter, diretor-gerente da Bradesco Saúde.

Ainda segundo Bitter, as campanhas publicitárias também têm papel fundamental na disseminação dessas mensagens. “Os filmes da campanha ‘Saúde’, com a trilha sonora da Rita Lee, reforçam aspectos como o nosso portfólio com planos adequados para a necessidade de cada negócio e o compromisso com o cuidado e o bem-estar dos colaboradores, além do diferencial das ações de prevenção no acompanhamento da saúde”, diz.

Além disso, a Bradesco também endossa e engaja-se nas campanhas integradas do setor, promovidas pela FenaSaúde.

Flávio Bitter, diretor-gerente da Bradesco Saúde
Flávio Bitter, diretor-gerente da Bradesco Saúde

Atuação coordenada

Segundo Raquel, embora as empresas e entidades do setor façam um trabalho permanente de divulgação de suas atividades, que reflete no resultado das pesquisas que captam a percepção positiva sobre os planos de saúde, o esforço ainda é insuficiente. Por isso, ela defende um alinhamento maior entre os diversos entes da saúde privada para ampliar essa percepção.

“Uma atuação coordenada de operadoras de planos, hospitais privados e prestadores de serviço de saúde tende a reforçar a compreensão sobre o funcionamento da saúde privada e seu papel relevante para o sistema de saúde do Brasil”, analisa a presidente da FenaSaúde.

“É preciso ampliar a presença institucional da saúde suplementar na sociedade. Isso passa pela maior união do setor, pelo diálogo transparente com o poder público e, principalmente, por um trabalho constante de esclarecimento à população. Essas são lutas muito presentes na atual gestão da Abramge”, defende Ribeiro.

Como entidade, a Abramge trabalha de maneira setorial, com a clareza de que cada operadora deve ter um diálogo direto com seu público, além de contribuir com a imprensa para esclarecer o que é a saúde suplementar, como o modelo funciona e corrigir dúvidas ou mesmo informações inexatas que surgem de vez em quando.

“O sistema de saúde suplementar é muito complexo, com uma regulamentação muito forte e com o adicional de ser um setor associado a sentimentos muito profundos das pessoas. Falamos de saúde, de vida. Por isso, nossa principal missão é trazer à população, aos agentes públicos e aos fiscalizadores os nossos desafios regulatórios, operacionais e tantos outros. É preciso conhecer profundamente o modelo de funcionamento que o país escolheu como sistema de saúde para que os desafios sejam vencidos e os valores, reconhecidos”, descreve.

Nesse sentido, Carla destaca que a ANS tem ampliado e reforçado iniciativas voltadas à transparência no setor, por meio da ampla divulgação de informações em cartilhas, painéis dinâmicos, da avaliação das operadoras e de informações que ajudam na tomada de decisão do beneficiário.

A Agência também divulga ações e regras do setor em seus canais digitais, como o site e os perfis nas redes sociais, tendo lançado no fim de 2024 um podcast com entrevistas sobre temas relacionados à saúde suplementar.

“Ampliar a visibilidade sobre o papel da saúde suplementar também passa pela qualidade da assistência prestada e pelo diálogo permanente com a sociedade.

Nesse sentido, além de usar seus canais de comunicação e o relacionamento com a imprensa, a Agência participa e promove eventos nos quais reforça seu papel e esclarece normas e regras do setor de planos de saúde”, destaca Carla.

Conforme a diretora-presidente da ANS, ao longo dos seus 25 anos, a ANS tem aperfeiçoado seus normativos e buscado manter um diálogo próximo com todos os atores do setor para que as regras sejam devidamente respeitadas, com vistas à garantia de direitos dos beneficiários, à adequada entrega de serviços aos consumidores e à boa visibilidade do setor.

Os corretores

Para o presidente da Abramge, o corretor tem um papel estratégico na saúde suplementar. “É ele quem realiza a ponte entre o beneficiário e o sistema e, por isso, precisa estar bem preparado para levar uma informação clara ao brasileiro que quer realizar o sonho de ter um plano de saúde”.

O diretor da Bradesco destaca que o corretor tem papel fundamental no desenvolvimento e fortalecimento do mercado da saúde suplementar. “Ele é o especialista em proteção, que conhece o produto e a necessidade do cliente. E tem a missão especial de fazer essa conexão entre o que o contratante busca e o que a operadora tem a oferecer”.

“O corretor é um agente de conexão entre um setor técnico e uma sociedade que busca segurança, clareza e confiança. Seu papel é fundamental para mudar a percepção do plano de saúde como ‘serviço de emergência’ e revelar seu verdadeiro valor como instrumento de cuidado contínuo”, define Alessandra.

Por isso, a Allcare investe na formação e no relacionamento com os corretores. “Quando bem preparados, os corretores tornam-se aliados na missão de humanizar o setor, levando informação qualificada, empatia e orientação. Em um mercado que precisa se tornar mais acessível e centrado na experiência do beneficiário, o corretor é, cada vez mais, parte estratégica da cadeia de valor da saúde suplementar”, acrescenta.

Nesse sentido, a Bradesco conta com a plataforma de capacitação Universeg, com diversos cursos que ajudam o corretor a estar sempre atualizado sobre o mercado e com o comportamento do consumidor, além do portfólio da companhia.

Conteúdo da edição de agosto (278) da Revista Cobertura