Ruptura na cadeia global de suprimentos não deixa ninguém imune

Ruptura na cadeia global de suprimentos não deixa ninguém imune

Neste momento delicado, o mercado de seguros se mobiliza para dar todo o apoio e suporte aos seus clientes

Karin Fuchs

Há praticamente três anos, o mundo vive uma crise sanitária sem precedentes. Com o isolamento social e o fechamento das fábricas, houve uma quebra generalizada na cadeia global de suprimentos. Faltam matérias-primas, insumos, produtos e peças, o que tem impactado os mais diversos ramos do mercado de seguros. Para minimizar os danos, as seguradoras têm buscado parcerias com fornecedores e intensificado o gerenciamento de risco – neste caso, gerenciamento de crise, para darem todo o apoio aos seus clientes.

Na parte de assistências, a FenSeg e a Fenacor anunciaram a criação de um Grupo de Trabalho para monitorar a situação nos Estados e oferecer respostas diante das queixas dos segurados, em especial, dos segmentos automóvel e residencial. O trabalho será desenvolvido de forma conjunta com SindSegs e Sincors do País. Na ponta, as seguradoras relatam esta falta de insumos.

“Os ramos mais afetados são aqueles que têm uma necessidade de reparabilidade do bem ou sua reposição, seja ela parcial ou total, como é o caso do garantia estendida e quebra de portáteis. Por enquanto, isso não tem gerado um impacto significativo em indenizações, mas a falta de insumos gera aumento nos custos de sinistros”, diz Simone Libonati, diretora Comercial de Afinidades na EZZE Seguros.

Pelo prêmio de seguro ser calculado no momento da contratação, com base no risco coberto e nos custos de reposição total ou parcial do bem segurado, quando há qualquer mudança nessas variáveis no momento do sinistro, este fica mais “caro” do que o previsto. “Além disso, existe uma demora na conclusão do processo, o que causa uma percepção ruim do cliente sobre a seguradora”, acrescenta.

OPORTUNIDADES

Na AXA no Brasil, Arthur Mitke, diretor de Operações, Sinistros e Experiência do Cliente, afirmou que, pela falta de determinados insumos dificultar o processo de reparo de bens segurados, o mercado de seguros precisa se reinventar e explorar novas oportunidades que beneficiem o cliente.

Com isso, eles passaram a oferecer novas opções de indenização ao cliente, no ramo de celulares e na operação de não portáteis, expandiram a rede de atendimento de assistências técnicas. “Em caso de falta de peças, inviabilidade de troca e/ou reposição do produto, 100% do Limite Máximo de Indenização (LMI) previsto na apólice é reembolsado ao cliente”, acrescenta.

O mesmo se aplica na operação de garantia estendida, produto que a AXA comercializa através de parcerias com grandes varejistas. “A dificuldade está na compra de peças no mercado que dependem de semicondutores, como por exemplo, para reparo de televisores. Mas, minimizamos os impactos desta escassez de insumo atuando constantemente com os nossos prestadores”.

Com todas essas ações, a AXA consegue neutralizar os impactos de danos à imagem e hoje tem um índice de reparabilidade superior ao que tinha antes da pandemia. “Adicionalmente, assim que identificarmos a falta de peças no mercado, automaticamente é definida a troca do produto e, assim, evitamos qualquer tipo de atraso no processo ou atrito com o segurado e/ou parceiros”.

RISCO DE CRÉDITO

Superintendente de Risco de Crédito da Euler Hermes, Rafael Guarento, comenta que há empresas com volume de vendas reduzido com a falta de insumos, mas que o aumento do preço de venda em alguns setores tem equilibrado a receita e as margens. Mas, isso não é uma realidade para todos.

“Há setores nos quais as indústrias sofrem com a falta de insumos, preços de matérias-primas elevados, mas não conseguem repassar esse aumento de preços aos seus clientes. Esses setores são os que mais estão sendo impactados, e essa dificuldade é refletida na queda das margens”.

Segundo ele, com a deterioração dos resultados e condições estruturais comprometidas, o apetite de risco de crédito pode se reduzir. “Mas, esse cenário tem sido atípico na Euler Hermes. Temos feito um trabalho muito próximo aos nossos maiores riscos e não temos impactado substancialmente no nosso nível de cobertura. Acreditamos que grande parte da escassez de insumos é uma questão pontual e que deve se normalizar no decorrer de 2022”.

Em relação a danos à imagem, Guarento diz que, pela escassez ser generalizada, os danos à imagem dessas empresas podem ser suprimidos. “Acredito que a condição mais importante nesse momento, além da discussão da escassez do produto, seja a negociação pelo preço de venda”, afirma.

GERENCIAMENTO DE CRISE

Em 2021, a falha no abastecimento e a redução de mercadorias armazenadas, afetou automaticamente o transportador e o embarcador. “Consequentemente, houve algumas alterações nas apólices de seguros. A redução de valores em risco e a redução de carga transportada afeta a cadeia como um todo”, explicou Simone Ramos, superintendente de Portos e Logística na THB.

Para minimizar os danos, a THB tem feito um trabalho intensificado de gestão de risco que, neste caso, eles chamam de gestão de crise. Para isso, a corretora tem uma área específica, com um time de especialistas sêniores do mercado. “Também temos feito a revisão de taxas, ajudando as empresas a ampliarem os seus clausulados, um trabalho que fazemos junto à seguradora, e apoiamos os nossos clientes, principalmente na parte de revisão, implantação e execução do plano de continuidade de negócio”.

Além de orientarem seus clientes na tratativa com o seu cliente final. “Se mesmo assim o seguro for acionado, será realmente por necessidade e porque o sinistro aconteceu. Tanto que por conta desse trabalho que fazemos, ainda não temos um grande volume de indenizações, e temos percebido uma procura muito grande dos clientes pedindo orientação”.

NOVOS RISCOS

Nas palavras de Amilcar Spencer, diretor de Solução Transportes e de Gerenciamento de Riscos da Seguros SURA, a disrupção da cadeia logística e a falta de meios de transportes criou uma desorganização. “Há mais mercadorias transportadas por veículo e essa desorganização é o que chamamos de acúmulos desconhecidos. São importâncias seguradas maiores, valores em risco e uma menor possibilidade de gestão. E mercadorias que não eram visadas para roubo começam a ser, porque faltam peças e produtos”.

Sobre indenizações, ele disse que com a inflação do real e do dólar, alguns sinistros foram mais elevados, acompanhando a inflação. “No entanto, nas nossas carteiras não indenizamos descumprimento de entregas ou danos reputacionais. Nós estamos relativamente tranquilos em relação a isso, o que é o grande dano, as empresas perderem mercado por falta de produtos”.

O lado do corretor

A começar pelo seguro de automóvel, Boris Ber, presidente do Sincor-SP, explica que a falta de veículos novos no mercado fez com que os usados fossem valorizados, refletindo no preço do seguro. “O valor do seguro do automóvel usado subiu bastante, pois a tabela FIPE teve valorizações de até 30%, o que resultou em um aumento das indenizações de seguros também nessa proporção. Quando se precificou há um ano ninguém calculava que a FIPE pudesse variar tanto para o carro usado, e isso vai trazer primeiramente um impacto ao seguro no preço das renovações”.

O segundo ponto, disse ele, é que a falta de carros novos no mercado também abala economicamente o corretor, que deixa de fazer um seguro novo. Em relação a sinistros, a falta de insumo de algumas peças, principalmente mais digitais, eletrônicas, acarretará em atraso na entrega do carro. “Não dá para achar culpado. Vemos maior utilização de carro reserva e também as locadoras estão com seus estoques zerados”, acrescenta.

Na parte de assistências, Ber comentou sobre as residenciais. “Os segurados começam a acioná-las e aí começa a ter primeiro uma dificuldade de atendimento e, segundo, a falta de peças de reposição. Isso pode, claro, resultar em um desagrado por parte do segurado, mas não dá para achar culpado, a culpa não é da companhia, não é do prestador. Então, muita calma nessa hora”, diz Ber, para quem é importante mediar essas crises de forma mais tranquila.

Segundo ele, as queixas têm sido muito grandes. “Claro que há também uma carência de mão de obra nas assistências, causada pela covid-19, todo mundo está com seu time humano rebaixado e isso traz consequências, por exemplo, uma vistoria, seja de sinistro ou de assistência, que normalmente se agendava de um dia para outro, está com uma demora bastante grande”.

É nessa hora que, nas palavras dele, o corretor precisa ter habilidade de acalmar e preparar o seu segurado de que as coisas não estão no seu normal. “Mais uma vez o corretor aparece como um grande mediador e ele já mostra esta função há anos. Ele acalma o segurado, negocia com a companhia e tem que fazer esse papel, conscientizar de que não existe um culpado, todos nós estamos com problemas. E também tentar achar solução, ajudar a comprar peça fora, usar a internet para sites de compra, ver se consegue resolver o problema, mas o principal é colocar a realidade para o segurado/consumidor”.

Conteúdo da edição de janeiro/fevereiro (239) da Revista Cobertura

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